terça-feira, 9 de outubro de 2012

El Cazador - Puck

               Miguel caminhava ao redor do Greenlawn Memorial Park. Ele havia chegado a Groves, Texas, na tarde daquele mesmo dia, 4 de Novembro. O caçador havia se hospedado num grande hotel da cidade, luxo que dificilmente se dava. Mas ele queria se passar por um turista comum, apesar de estar na cidade a trabalho. Desde o dia 21 de Outubro muitos ataques ocorreram na cidade. As vitimas, principalmente turistas, haviam sido mortas por um animal. Supunha-se que fosse alguma espécie de tigre, mas ninguém sabia de onde o bicho poderia ter vindo.
               Miguel, entretanto tinha uma suposição diferente da exposta pelos jornais. E caso ele estivesse certo, sua cruzada maldita atrás daquela criatura hedionda poderia finalmente terminar e ele voltaria a sua vida “normal” de caçador. Miguel curtia silenciosamente a ideia quando ouviu um barulho vindo de um arbusto. Chegando mais perto pode perceber também movimento atrás do arbusto. Ia afastar um dos galhos quando seu celular tocou, quase o matando de susto. Rapidamente recompôs-se e leu o número no visor, porém não o reconheceu. 
               - Alô? – Disse uma mulher. – Miguel? Quem fala é a Jane. Eu queria te agradecer pelo que você, seja lá o que você tenha feito. Você está ai? 
               - Olá, senhorita. Como você conseguiu esse numero? Não conheço nenhuma Jane. 
               - Sou eu, de Balton Rouge. Você me ajudou com o espirito que tinha na minha casa... Eu achei o mecânico que consertou seu carro, e ele me deu seu numero. 
               - Agora me lembro do caso. Você me ligou só para agradecer ou está com algum problema? – Perguntou rispidamente. – Esse é um telefone de trabalho. Se não tiver um trabalho para mim não me ligue. 
               - Me desculpa, eu só queria agradecer. 
               - Não há necessidade para tal. Foi só mais um serviço, se tiver mais algum problema pra mim pode me ligar. 
               Desligou o telefone antes que ela pudesse falar mais alguma coisa. Essa era a vida de um caçador, tudo no profissional. Pessoas que se aproximam de mais acabam se ferindo, e ele já tinha vidas demais na sua conta. 
               Voltava à inspeção do arbusto quando um coelho preto saiu detrás dele. Ele achou aquele animal estranho, mas quando se aproximou ele fugiu. Encerrou a noite e voltou para o hotel, estava muito escuro para caçar uma criatura desconhecida. 
               Resolveu cortar caminho por dentro do Grennlawn e acabou se perdendo em meio aqueles túmulos tão parecidos. Já andava a mais de quarenta minutos quando começou a ouvir uma musica. Após alguns passos em direção ao violino, começou a ouvir um sussurro que logo virou uma voz. 
         
              - Por acaso está perdido, meu jovem? 
              - Quem está ai? - Perguntou o caçador. 
              - O cemitério não é lugar para se passar a noite. 
              - O que você quer? – Ele continuava andando em direção a musica, que era acompanhada pela voz agora. 
              - Ora, meu jovem, quero apenas ajuda-lo a achar o caminho de casa. – Agora Miguel conseguia ver o dono da voz, um homem baixinho. Sua pele só não era mais escura que seus olhos. No escuro não podia ter certeza, mas o velho parecia ter alguma deficiência no nariz, que era exageradamente grande e pontudo. Atrás de sua careca podia se ver uma chama bruxuleante, a única iluminação do local. – sente-se. – Disse apontando para uma lapide a alguns metros da que ele próprio estava sentado. 
              - Me desculpe, mas não estou muito interessado em perturbar os mortos. – Respondeu. 
              - Muito inteligente de sua parte, meu jovem. Mas aqueles que, como eu, não devem nada aos que já foram não tem porque temer. – Soltou uma breve gargalhada. 
              - Quem é você? – Pergunto novamente o caçador. 
              - Onde estão meus modos? Eu me chamo Puck. – Respondeu. 
              - Um nome incomum, mas estranhamente familiar. – Disse pensativo. – Ah, já sei! Puck é um dos personagens de “Sonhos de uma Noite de Verão”. 
              - Isso, como em “Sonhos de uma Noite de Verão”. – O velho não parecia ter gostado do comentário. – Você parece ser uma pessoa muito culta, Miguel. Eu adoraria conversar mais contigo, mas deixe eu te ajudar a sair daqui primeiro. Como eu já havia dito, um cemitério não é lugar para os vivos vagarem a noite. – Deu uma risada que deixou o caçador arrepiado e levantou-se de um pulo. 
              O velho seguia sem hesitação e logo deixou Miguel, que a cada poucos passos tropeçava em alguma coisa, para trás. A única iluminação que tinham era a pequena chama que Puck carregava, apesar do caçador ter a impressão de que esta não era carregada mas sim flutuava. Após desvia de mais uma lapide, Miguel procurou pelo velho, mas apenas enxergou um pequeno ponto luminoso que se afastava cada vez mais. Em poucos minutos não conseguia mais ver sua luz guia. 
              - Apenas siga em frente, meu jovem, e você achara o caminho de casa. – disse Puck em sua cabeça. 
              Caminhou durante meia hora, com seus pensamentos voltados para a natureza de Puck. Ele não tinha nenhuma característica especifica, mas Miguel tinha certeza de que ele não era um espirito comum. Distraído com suas cogitações, se surpreendeu ao chegar ao muro do Greenlawn.   
             - Não, Miguel, para a esquerda. Siga para a esquerda, é lá que a saída se encontra. 
             Ele já havia lidado com coisas muito piores e não se deixaria enganar por um espirito brincalhão. Seguiu para a direita, acompanharia o muro e cedo ou tarde chegaria à saída. 
*** 
              Andara menos de vinte minutos e se deparara com o portal de saída do Grennlawn. Durante a caminhada havia repassado tudo que havia observado em Puck e conclui que aquele bico que ele tinha no lugar do nariz provavelmente fazia dele um Tengu. Apesar de ele estar fora da sua região e de não haver explicação para ele saber seu nome antes de se apresentar, mas era a melhor teoria que ele havia bolado até então. Dirigia-se ao portão quando ouviu a voz do possível Tengu. 
              - Você se acha muito esperto, não é, Miguel? – Sua voz estava carregada de raiva. – Eu sabia que você era diferente, um caçador. Eu queria brincar um pouco, te deixar andando em círculos por algumas horas. Depois você iria embora, caçar seu “lobo”, sem nunca entender o que está acontecendo nessa cidade. Mas agora você vai pagar por ter acabado com a minha diversão. 
              Miguel notou uma luz na direção de onde a voz vinha, parecia ser o facho de uma lanterna. Logo começou também a ouvir um barulho cada vez mais próximo. – Isso parece até o trotar de um... Cavalo! – Exclamou quando avistou um grande corcel negro, com o facho de luz vindo à frente dele. Ele estava errado, a luz não vinha à frente do cavalo, ele saia de sua boca. – O que diabos é você? – Pensou em voz alta. O experiente caçador nunca havia ouvido falar de tal criatura. 
              O animal demoníaco galopava em sua direção, iria ser pisoteado. Correr seria inútil. Teria de contar com seus reflexos e com muita sorte, admitia. Sacou a pequena faca de prata que sempre carregava consigo e torceu para que funcionasse, prata era eficaz contra quase todas as criaturas que atormentam nosso mundo. Esperou até o ultimo segundo, quando o corcel estava prestes a atropelá-lo, e saltou para a esquerda e criou um pequeno talho no flanco do animal. Apesar de ter sangrado pouco, o animal relinchou sofridamente e trotou para o cemitério. 
             O caçador se pôs de pé e se auto avaliou, havia caído sobre o braço esquerdo e este queimava de dor, provavelmente ia precisaria de alguns dias para se recuperar. Caminhava em direção à saída do Greenlawn outra vez, quando ouviu um novo trotar atrás de si. O cavalo demoníaco vinha para mais uma tentativa. Ele não podia contar com aquela manobra novamente então resolveu que o mais seguro seria correr para fora do cemitério e torcer para o monstro não poder sair também. Olhou para trás sem parar de correr e seu coração acelerou ao perceber que não era um cavalo que o perseguia, mas sim uma imensa pantera negra. Pelo menos agora tinha certeza de que aquela era a criatura que tinha causado todas aquelas mortes, apesar de estar desapontado por aquela não ser a caça que ele esperava ter. 
              Passara pelo portal e continuou correndo pela rua, não precisava olhar para trás para saber que a fera ainda estava em seu encalço. Tinha que pensar rápido, estava perdendo vantagem e não podia enfrentar um monstro do tamanho de um ônibus com a sua pequena faca. Viu que do outro lado da rua havia um conjunto de fazendas. Não pensou duas vezes, atravessou a rua e pulou uma cerca. Tentaria despistar a criatura e achar algum lugar para se esconder. E talvez conseguisse alguma coisa que pudesse usar como arma. 
              Rapidamente achou uma chance, havia um celeiro na sua frente e podia usa-lo para tentar despistar a criatura. Sacou sua pistola e descarregou o pente na direção da fera, sabia que isso não a deteria, mas talvez a atrasasse. Continuou sua corrida desenfreada, havia ganhado alguns metros e agora só restava contar com o plano. 
              Assim que saiu da vista do monstro forçou suas pernas a correrem ainda mais rápido, se conseguisse dar a volta no celeiro antes que a criatura visse para que lado ele havia ido poderia despista-la. Precisava resolver qual lado era mais seguro. Nenhum caminho era melhor do que os outros, todos eram iguais. Mas não tinha tempo a perder, foi na direção do greenlawn, pelo menos assim não se perderia. E para sua sorte avistou uma estatua a sua esquerda. Não era o esconderijo ideal, mas não havia muitas opções. Jogou-se atrás da estatua e torceu para que a fera não o tivesse visto. 
              Enquanto ouvia os passos da criatura se afastando aproveitou para analisar melhor a cobertura que tinha. Era uma estatua de tamanho mediano, de um pequeno ser, careca e com um bico. O ser tocava violino, mas foi a imensidão de seus olhos que fez o caçador pensar em Puck. Não conseguiu segurar uma exclamação e, antes mesmo de ouvir as pesadas passadas do monstro, sabia que havia se entregado. 
              Miguel se viu coberto por uma imensa sombra quando a besta saltou por cima da estatua para encurrala-lo. Era o fim, não havia nada que pudesse fazer. Segurava a faca com a mão boa, mas teria sorte se conseguisse arranhar a fera antes que ela arrancasse sua cabeça. 
              Surpreendente, a criatura hesitava. Não o fazia por medo, nem por pena, ela parecia estar apenas pensando. Em que estaria pensando? Em como mata-lo? Era a única explicação, ele era um alvo fácil, não tinha como fugir e estava indefeso. Subitamente ele começou a investir contra o caçador, mas seus golpes eram lentos e previsíveis. Miguel desviava facilmente de suas garras e presas. Será que ela queria brincar com ele antes de mata-lo? Mas ela não parecia estar se divertindo com a situação. 
              Uma explicação veio à mente dele, a fera não queria destruir a estatua. Afinal não podia ser coincidência que fossem tão parecidos. Talvez a criatura hesitasse por respeito ou talvez aquela fosse a fonte de poder de Puck. Era sua ultima chance e teria que arriscar. 
              O caçador apontou a faca para o peito da estatua. Pior do que estar usando uma estatua como refém era perceber que estava funcionando, Miguel nunca se imaginara em tal situação. A criatura havia parado sua investida e se afastou um pouco. Mesmo cara-a-cara com a morte foi difícil segurar o riso. Quando achou que o bicho estava a uma distancia segura, golpeou a estatua com toda a força que ainda lhe restava. Mas não teve tempo de ver o estrago que tinha feito, pois desmaiou com a dor lancinante causada pelas gigantescas garras que rasgavam a lateral de seu corpo.

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